Imagine se um dia o
homem inventasse um aparelho para escutar pensamentos! Imagine que
esse aparelho pudesse detectar os pensamentos de quem se prepara
para nascer. Se isso acontecesse, é possível que ouvíssemos algo
mais ou menos assim:
Enfim, vou
realizar o meu grande sonho! Um sonho grandioso demais para mim.
Para algumas pessoas, pode parecer banal porque, com certeza, elas
nem sequer compreendem como ele é precioso.
Mas, é o meu
sonho. O meu desejo mais intenso: viver. Depois de muitos, muitos
planos, muito tempo de expectativa, vou viver!
Vou ganhar a vida
como oportunidade inestimável para crescer, aprender, realizar,
amar, ter a chance que todos têm de construir e gravar na Terra sua
passagem por ela.
Vou nascer. Faltam
alguns meses, mas eu já estou completo há semanas.
O dia de eu ver a
luz do sol, de sentir o ar entrar em meus pulmões está perto. Ah,
como deverá estar a cor do céu nessa hora?
Estou ansioso para
sentir o cheiro de minha mãe. Qual a cor dos seus olhos? O que será
que verei primeiro: o seu sorriso de felicidade ou a sua lágrima de
agradecimento a Deus?
Quem irá me
balançar primeiro no colo, ela ou papai? Meu pai! Como será sua voz,
suas mãos? Decerto devem ser grandes, bem maiores do que as minhas.
Assim eu me sentirei bem protegido e amparado.
Vou adorar correr
pela casa, procurando você, mamãe. Vou tomar banho cantando e rir de
suas brincadeiras.
Você me verá
perder o primeiro dentinho e tomará da minha mão para me ensinar a
desenhar as primeiras letras. E eu vou escrever bem bonito, bem
grande, dentro de um coração: mamãe!
* * *
Sonho, sonhei até
há pouco. Mas hoje meu grande sonho foi transformado em pesadelo.
Gritei por minha mãe porque ouvi dizer que a gente grita pela mãe,
quando está com medo.
E eu tive tanto
medo. Gritei. Mas ninguém me ouviu! Fui sentindo cada golpe da
lâmina afiada. Encolhi-me, tentei fugir, mas não tinha para onde
ir.
O ninho quente de
amor se transformou numa câmara ensanguentada de
morte.
Nem em todas as
guerras se planejou câmara mais eficiente de matar. Um lugar onde o
condenado não tem voz, não pode correr, não tem como se defender e
nem querem saber se ele está sentindo alguma
coisa.
* *
*
Sonhei um sonho
impossível. Sonhei um sonho de vida e amor. Sonhei estar aí, com
você, mamãe.
O sonho acabou, a
vida foi apagada e uma grande dor ficou em seu
lugar.
Já não sei se
voltarei a sonhar um dia. No momento, faço parte daqueles que não
têm o direito de sonhar com a vida.
Mas quem sabe você
encontre nas crianças que conseguiram viver e foram abandonadas,
alguém que tenha sonhado como eu e que está à espera de um colo
arrependido e cheio de amor.
* * *
Quando formos
abençoados pelas missões da maternidade e da paternidade, jamais
cogitemos de destruir a vida que ainda não desabrochou no
mundo.
Não pensemos nos
embaraços e nos problemas que eventualmente tenhamos que enfrentar.
Ao contrário, pensemos nas tantas alegrias com que a Divindade nos
brindará através das carícias de ternura das mãozinhas delicadas e
dos risos infantis que nos encherão os ouvidos.
E não esqueçamos que
um dia nós também batemos à porta de um coração materno, rogando
pousada. Porque ele nos acolheu, agora estamos aqui, eu a falar e
você a me escutar.
Pensemos
nisso.
Redação do Momento
Espírita, com base no texto Aos que sonham, de Cristina
Damma F. Dias, da revista Harmonia,
número 84, de outubro 2001.