quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A SURPREENDENTE MORTE

Ela sempre chega em momento inoportuno. Não a convidamos mas ela comparece, quando e onde bem entende.
Ela estabelece o seu calendário de visitas, totalmente aleatório aos nossos olhos mortais. Mas preciso, especialmente concorde com a Lei Divina, em cada detalhe. Somente os que não estejam em equilíbrio mental é que a evocam, desejando-lhe a presença.
Todos os demais preferimos deixar para mais tarde, mais tarde... É a morte, essa não desejada presença. Ela dilacera corações plenos de esperança e nos leva a perguntar: Por quê? Por que agora? Por que com minha família? Assim foi com a família Camargos.
Na cidade de Natal, no Nordeste brasileiro, no dia doze de janeiro, a pequena Giovanna fazia seis anos. Festa de aniversário. Tudo pronto para a comemoração.
Pouco antes das oito horas da noite, a família só aguardava o telefonema do pai da menina, para a comemoração. Ele integrava a missão de paz do exército brasileiro no Haiti. E ele adorava seu trabalho.
O único senão eram as saudades da família: a mulher e dois filhos. Seu retorno ao Brasil estava marcado para o dia vinte e oito. E ele dizia para a esposa que ela acabaria ficando enjoada dele, porque passariam o tempo todo juntos.
Veio o telefonema, ele falou com Giovanna. E a esposa pediu que ele ficasse um pouco mais na linha para cantar o Parabéns pra você. Mas, de repente, a conexão do Skype caiu. Ela tentou ligar de volta. Sem êxito. A festa continuou.
No dia seguinte, o cunhado ligou para saber notícias de Raniel. Está bem, informou Heloísa. Conversamos ontem à noite. Ela não sabia do terremoto e, ao tomar conhecimento, se deu conta que fora a hora em que conversara com seu marido. Na mesma tarde, um telefonema do batalhão onde Raniel servia, confirmou para a família que ele fora uma das vítimas do terremoto no Haiti. Embora a tristeza, Heloísa diria mais tarde: O que me consola é que Raniel morreu fazendo o que sempre quis: ajudar os necessitados e servir ao seu país.
Ele morreu como um herói. As palavras da esposa traduzem o sentimento sublimado do amor. Ela sabia que o marido amava o seu trabalho, no exército brasileiro. A saudade é grande. Os filhos perguntam pelo pai e terão que se habituar à sua ausência física. Mas, eles terão a presença do ser amado em suas vidas nas doces lembranças, no telefonema de aniversário, nos sonhos...
Para essa família, como para todos os que cremos na Imortalidade, existe a certeza de que o Subtenente Raniel somente abandonou o casulo de carne. Ele prossegue vivendo e amando, na Espiritualidade.
Que esse exemplo de serenidade nos possa servir. Preparemo-nos. Quando a morte chegar, de inopino, rompendo nossos mais acalentados planos, pensemos: foi só um adiamento de tudo que planejamos. Logo mais tornaremos a estar juntos.

Redação do Momento Espírita, com base no artigo Heróis no Haiti (O soldado),
da Revista Seleções Reader’s Digest, de abril de 2010.

A melhor idade do amor

 

Sábado, dez horas e vinte e um minutos da manhã. Chuva insistente de outono. Um casal adentra uma panificadora para tomar café.

Dois cafés com leite e três pães de queijo, por favor.

Ela parece um pouco agitada. Não tira os olhos dele. Ele parece tranquilo, dessas pessoas que já conseguem viver num tempo um pouco mais lento do que o do relógio.

A diferença de idade é gritante. Não mais de quarenta, ela. Próximo aos oitenta, ele.

Ele olha para fora pela janela entreaberta.

Ela sorri, carinhosa.

Todos os seus filhos nasceram aqui nesta cidade?

Ele pensa um pouco... - Sim, todas elas... Três filhas.

E você? Onde nasceu? – Volta a inquirir a mulher.

Eu não sou daqui. Nasci no interior... Longe da cidade.

E o que você lembra de lá?

Ah... Muitas coisas... – Responde ele, com leve sorriso.

Então, silencia. Parece fazer algum esforço para recordar de algo especial, mas logo desiste. Volta a olhar para fora, procurando a chuva fina.

Sabe... Acho que tive uma vida feliz...

Ela permanece interessada. Um interesse de primeiro encontro. Observa os cabelos brancos dele, a tez um pouco castigada, os olhos azuis.

Respira fundo. Alguém poderia dizer que é o respirar de quem está apaixonado.

Você só casou uma vez? – Pergunta ela, com certo embaraço na voz.

Sim. Tereza. Mãe de minhas meninas. Que Deus a tenha.

Ela fica um pouco emocionada e constrangida, repentinamente. Esboça um sorriso para disfarçar. Olha para a mesa. Ainda resta um pão.

Pode comer. Já estou satisfeita.

Almoçamos juntos amanhã? – Pergunta ele, ansioso por ouvir um sim.

Sim... Claro que sim. É dia de almoçarmos juntos. Você sabe que gosto muito de estar com você, de ouvir suas histórias...

Estou um pouco esquecido hoje, eu acho. Contei pouco...

Não tem problema. – Diz ela, carinhosa. - Tem dias que a gente está com a memória mais fraca mesmo.

Doutor Maurício disse que é importante ficar puxando as coisas da memória sempre. Ele diz que é como um exercício físico que fazemos para não “enferrujar”. – Conclui ele.

É verdade... – Ela suspira. – Precisamos cuidar da memória...

Novamente um longo silêncio entre os dois.

Ele volta a vislumbrar o exterior, contemplativo.

Ela nota seu rosto em detalhes, ternamente.

Fecha os olhos, por um instante, como se fizesse uma breve oração, uma rogativa sincera a uma Força Maior.

Volta a abri-los, vagarosamente, e então pergunta:

Pai... Pai... Posso pedir a conta?

Ele acena positivamente. A conta chega. Ela se levanta primeiro, vai em direção a ele, envolve-o num abraço e o ajuda a levantar.

Aquela era a rotina de todo sábado, às dez horas e vinte e um minutos da manhã, nos últimos dez meses.

*   *   *

Foram nossos genitores que nos proporcionaram um corpo, abençoado instrumento de trabalho para o nosso progresso, bem como um lar.

Pensando em tudo isso, louve aos seus pais. Cuide deles, agora quando estão velhos, alquebrados, frágeis ou doentes.

Faça o possível para não os atirar nos tristes quartinhos dos fundos da casa, aonde ninguém vai. Não se furte à alegria de apresentá-los aos seus amigos e às suas visitas;

Ouça o que eles tenham a dizer. Quando estejam em condições para isso, leve-os para as refeições à mesa com você. Retribua, assim, uma parcela pequena do muito recebido por seus genitores anos atrás.

Redação do Momento Espírita com base no cap. 7, do livro Ações corajosas para viver em paz, pelo Espírito Benedita da Silva, psicografia de José Raul Teixeira, ed. Fráter.