Desde
que dois homens estejam juntos, contraem, por isto mesmo, deveres
recíprocos; se quiserem viver em paz, serão obrigados a se fazerem
mútuas concessões.
Esses
deveres aumentam com o número dos indivíduos; as aglomerações formam
um todo coletivo que também tem suas obrigações
respectivas.
Temos,
pois, além das relações de indivíduo a indivíduo, as de cidade a
cidade, de país a país.
Essas
relações podem ter dois móveis que são a negação um do outro: o
egoísmo e a caridade, pois que há também egoísmo
nacional.
Com o
egoísmo, prevalece o interesse pessoal, cada um vive para si, vendo
no semelhante apenas um antagonista, um rival que pode concorrer
conosco, que podemos explorar ou que pode nos explorar; aquele que
fará o possível para chegar antes de nós: a vitória é do mais
esperto e a sociedade - coisa triste de dizer - muitas vezes
consagra essa vitória.
Disso
resulta uma sociedade dividida em duas classes principais: os
exploradores e os explorados.
Temos
aí um antagonismo perpétuo, que faz da vida um tormento, um
verdadeiro inferno.
Substituí o egoísmo pela caridade e tudo se
modificará; ninguém procurará fazer o mal ao seu vizinho; os ódios e
os ciúmes se extinguirão por falta de combustível, e os homens
viverão em paz, ajudando-se mutuamente em vez de se
dilacerarem.
Se a
caridade substituir o egoísmo, todas as instituições sociais serão
fundadas sobre o princípio da solidariedade e da reciprocidade; o
forte protegerá o fraco, em vez de o explorar.
É um
belo sonho, dirão; infelizmente não passa de um sonho; o homem é
egoísta por natureza, por necessidade e o será
sempre.
Se
assim fosse, o que seria muito triste, é o caso de se perguntar com
que objetivo o Cristo veio até nós pregar a caridade aos homens?
Equivaleria a pregar aos animais.
Examinemos, contudo, a questão: Há progresso do
selvagem ao homem civilizado? Não se procura, diariamente, abrandar
os costumes dos selvagens? Mas, com que finalidade, se o homem é
incorrigível?
Estranha bizarrice! Espera-se corrigir selvagens e
pensa-se que o homem civilizado não pode
melhorar-se!
Se o
homem civilizado tivesse a pretensão de haver atingido o último
limite do progresso acessível à espécie humana, bastaria comparar os
costumes, o caráter, a legislação, as instituições sociais de hoje
com as de outrora.
E, no
entanto, os homens de outrora, também eles, acreditavam ter
alcançado o último degrau.
Que
teria respondido um grão-senhor do tempo de Luís XIV se lhe tivessem
dito que poderia dispor de uma ordem de coisas melhor, mais
equitativa, mais humana do que a então vigente?
Que
esse regime mais equitativo seria a abolição dos privilégios de
castas e a igualdade do grande e do pequeno diante da
lei?
O
audacioso que assim falasse talvez pagasse caro sua
temeridade.
Disso
concluímos que o homem é eminentemente perfectível, e que os mais
adiantados hoje poderão parecer tão atrasados dentro de alguns
séculos quanto o são os da Idade Média em relação a
nós.
Negar o
fato seria negar o progresso, que é uma lei da
natureza.
Pensemos nisso.
Redação do
Momento Espírita, com base em trecho da obra Viagem
espírita em 1862 e outras viagens, de Allan Kardec,
ed. Feb.