quarta-feira, 6 de abril de 2011

SUPERANDO A DOR

 

No dia 28 de julho de 1976, a cidade industrial de Tangshan foi completamente arrasada por um terremoto apavorante. Trezentos mil mortos.

O fato ficou famoso como símbolo do colapso total das comunicações da China naquela época.

A preocupação das autoridades era com a crise pela morte de Mao Tsé-tung e duas outras importantes personalidades.

A notícia do terremoto acabou chegando ao Governo através da imprensa estrangeira.

Muitas mulheres ficaram sem marido e viram seus filhos desaparecer em abismos profundos.

Chen foi uma delas. Naquela manhã de julho, antes de clarear, ela foi despertada por um som estranho.

Era uma espécie de ronco surdo e um assobio, como se um trem estivesse se espatifando contra as paredes da casa.

Quando ia gritar, metade do quarto cedeu e a cama onde estava deitado o marido, foi tragada por um buraco enorme.

O quarto das crianças, que ficava do outro lado da casa, como um cenário de um palco, apareceu à sua frente.

O filho mais velho estava de olhos arregalados e boca aberta. A menina chorava e gritava, estendendo os braços para a mãe.

O filhinho pequeno continuava dormindo calmamente.

A cena à sua frente sumiu de repente como se uma cortina tivesse caído.

Chen acreditou que estava tendo um pesadelo e se beliscou. Não acordou. Então, espetou a perna com uma tesoura.

Sentindo a dor e vendo o sangue, entendeu que não era um sonho.

Gritou como louca. Ninguém ouviu. De todos os lados vinham sons de paredes desmoronando e de móveis quebrando.

Ela ficou ali, com a perna ensangüentada, olhando para o buraco enorme que tinha sido a outra metade da sua casa.

Seu marido e suas lindas crianças tinham desaparecido diante dos seus olhos.

Sentiu vontade de chorar, mas não tinha lágrimas. Simplesmente não queria continuar vivendo.

Vinte anos depois, contando esta história a uma jornalista, Chen confessa que quase todo dia, ao amanhecer, ouve um trem roncando e apitando, junto com os gritos dos seus filhos.

Os pesadelos a machucam, mas ela diz que os suporta porque neles estão também as vozes dos seus filhos.

E quem pensa que Chen vive somente a lamentar e a chorar a perda dos seus amores, engana-se.

Ela, junto a outras mães que perderam seus filhos no terremoto de 1976, fundaram um orfanato, com o dinheiro da indenização que receberam.

É um orfanato sem funcionários. Alguns o chamam de uma família sem homens.

Vivem ali algumas mães e dezenas de crianças. Cada mãe ocupa um aposento grande com 5 ou 6 crianças.

Os aposentos do orfanato foram decorados com uma infinidade de cores, de acordo com o gosto das crianças. Cada quarto com seu estilo de decoração.

Bem diferente dos orfanatos tradicionais da China.

Ao ser questionada como se sente hoje, naquele voluntariado, confessa Chen:

“Muito melhor. Especialmente à noite. Fico olhando enquanto as crianças dormem. Sento ao lado delas, seguro suas mãos contra o meu rosto. Beijo-as e agradeço a elas por me manterem viva.

É um ciclo de amor. Dos velhos para os jovens e de volta para os velhos.”

* * *

Por vezes, quando a dor nos visita, nos enclausuramos nela, acreditando que a nossa é a dor maior do mundo.

O exemplo de Chen nos dá a dimensão da dor e nos ensina como lidar com ela: atender o próximo que também sofre.

Afinal, sempre que olharmos para trás encontraremos criaturas mais intensamente feridas do que nós mesmos. E no atendimento às suas feridas, encontraremos o alívio que buscamos.

Tudo porque o toque delicado do amor é o curativo perfeito para as próprias chagas abertas no coração.

 

Redação do Momento Espírita com base no cap. As mães que sofreram um terremoto, do livro As boas mulheres na China, de autoria de Xinran, ed. Companhia das Letras.

Pecado e pecador

 

A sociedade humana possui a tendência de separar os elementos que a compõem.

De um lado, há os que apresentam aspectos positivos de comportamento.

Caracterizam-se pelo cumprimento dos próprios deveres e por não representarem perigo para os demais.

De outro, colocam-se os considerados perigosos ou indesejáveis.

Há quem afirme que os direitos humanos deveriam ser assegurados apenas para as denominadas pessoas de bem.

Já em relação aos demais, nutre-se, muitas vezes de forma velada, o desejo de que sejam exterminados.

É com dificuldade que são tolerados, mas sem muitas considerações para com suas necessidades ou dores.

Não se advoga que a sociedade deixe de se acautelar contra o mal, onde e como se apresente.

É preciso mesmo prevenir os vícios e as tragédias que engendram.

Contudo, urge, a título de combater o desequilíbrio, não odiar o desequilibrado.

A respeito, há uma interessante passagem na Terceira Epístola de João Evangelista.

Nela, o Apóstolo exorta a que se siga sempre o bem.

E afirma que quem faz o bem é de Deus, mas quem faz o mal não tem visto a Deus.

Veja-se que ele não separa os homens entre bons e maus.

Não os divide entre justos e pecadores.

Não assevera que alguns são de Deus e outros não.

Apenas afirma que quem faz o mal tem-se mantido distante do Pai Celestial, não O tem visto.

Trata-se de uma visão lúcida e justa da realidade humana.

Quem já luta para cumprir seus deveres milita entre os Espíritos que começam a compreender o Pai.

Já os desequilibrados, os desonestos e os violentos ainda não conseguem pressenti-lO.

Como autênticos e graves enfermos espirituais, causam dores para si e para os outros.

Incapazes de compreender o funcionamento das Leis Divinas, semeiam tragédias em seus caminhos.

Lamentáveis, mas ainda assim humanos, amados filhos de Deus.

Seus atos devem ser contidos, para o bem de todos.

Mas eles próprios precisam ser educados.

A principal lição do Evangelho é a fraternidade.

Jesus foi enfático ao afirmar que os sãos não necessitam de médico.

Assim, é despropositado que quem se afirma cristão deseje o extermínio de seus irmãos mais infelizes.

O homem caído não é alguém a ser aniquilado.

Ele representa a ovelha perdida, o precioso filho pródigo, na belíssima linguagem evangélica.

Importa, pois, rever o sentir em relação aos conceitos de pecado e pecador, de crime e criminoso.

Lute-se contra o crime, mas amparando quem se lhe enredou nas malhas tenebrosas.

Que jamais se deseje a desgraça para quem já é em si muito desgraçado.

Do Evangelho, extrai-se com clareza não haver vitória sem união.

Apenas da vivência da genuína fraternidade é que surge a paz, pessoal e coletiva.

Pense nisso.

Redação do Momento Espírita, com base no cap. 122, do livro Pão nosso, pelo Espírito Emmanuel, psicografia de Francisco Cândido Xavier, ed. Feb.